quarta-feira, abril 11, 2007

"Um Album Canastrão"

Zé entrou naquela loja sem nenhuma expectativa. Achou que nunca acharia os albuns das bandas que estava começando a gostar. Olhou em volta, viu alguns estereótipos muito bem definidos, e se virou. Achou que numa loja maior acharia o que buscava. No alto de seus 15 anos, já achava que sabia tudo sobre a música que gostava. Humpf, amador... nem sabia se gostava do
que dizia que gostava, ainda.
A um passo de deixar a loja, olhou de canto de olho para um album escondido por detrás das
ofertas da semana. Um album beje, meio sem vida. Com umas letras que pareciam saídas de um album do America, ou do Creedence Clearwater. Achou que não era nada de mais, abusando de
sua arrogância juvenil. No entanto, antes que pudesse dar o derradeiro passo, lembrou-se que
já estivera errado antes, e grandes chances foram perdidas por conta desse mesmo pensamento
limitante. Pensou que era hora de se provar errado. Andou até o canto da loja e puxou-o. Uma
tal de banda Canastra, que clamava, com seu álbum de estréia: "Traz a pessoa amada em três
dias".
Parecia que algo ou alguém estava querendo lhe dizer algo. Justo naquela época,
desacreditado da vida de um jeito e do oposto. Quando sim e não pareciam respostas extremas
de uma mesma pergunta. Quem sabe se ele sentasse, e ouvisse, e esperasse. 3 dias não
haveriam de doer. Era uma barganha.
Ao colocar o disco pra tocar, levou uma porrada que o retirou de sua cômoda posição
unilateral sonora. Percebeu em acordes, batidas, e versos ácidos sobre amores
passivos/agressivos, que tudo aquilo que achava que sabia era piada. Sorte no amor? Ou sorte
no jogo? Pois na dúvida, apostou em toda sorte e resolveu pagar pra ver. Um disco tão bom
não poderia estar errado. Alguem que escrevia sobre o amor impossível do próprio diabo,
devia saber alguma coisa a mais da vida. O disco lhe prometia a pessoa amada em 3 dias. E
era somente isso que faltava ao pobre Zé.
Zé ouviu o disco uma vez, e nada. Ouviu de novo, e nada. Não desistiu. Ouviu mais uma vez, e
outra, e outra, e os dias foram se consumindo em múltiplos de 3, até que contar passou a ser
um passatempo doloroso demais para se importar. Passados 3 anos, Zé já nem se lembrava mais da falsa promessa de um velho disco empoeirado. Mas eis que o achou outro dia, numa época
menos conturbada que a de outrora. Achou que agora sim faria sentido cobrar da banda o que
lhe tinha sido negado em seu tempo de arrogãncia, agora finalmente perdida. Zé havia se
tornado uma pessoa madura, racional, até quase emotiva. Ouviu o disco mais uma vez, e contou
as horas, os minutos, os segundos... mas no fundo já sabia qual seria a conclusão. Ele achou
que esperar o suficiente, para amadurecer, lhe traria de volta as chances perdidas, agora
sim merecidas. Tolo.
Ainda hoje ele arrisca, aposta, e ouve aquele album. Mensamente, bimestralmente, ou
simplesmente quando dá. O album não cumpriu sua palavra, afinal, como previsto. mas Zé
cumpriu seu destino. Cresceu, amadureceu. Apostou em si mesmo! Uma pena que, como diz o
ditado, a casa sempre ganhe. Zé apostou alto, perdeu, e até hoje ele é obrigado a pagar,
fazendo a única coisa que, mesmo depois de tudo, nunca deixou de saber: Ouvir música.

1 Comments:

Blogger Carol said...

um dos melhores textos q eu já li.

4:06 AM  

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